A clínica psicológica hoje

Não é de hoje que, ao dizer que sou Psicólogo, as pessoas evocam imagens de suas fantasias, que muitas vezes não condizem com a realidade. “Você não está me interpretando, não é mesmo?” é uma frase muito comum e eu, muitas vezes, me questiono se o fato de eu ser psicólogo pesa tanto ao me deparar com alguém no meu cotidiano, pois o tempo todo nos deparamos com pessoas nas ruas e estas, invariavelmente, ao olhar para nós irão nos classificar, enquadrar e interpretar em relação às suas fantasias e conceitos.


Também é muitíssimo comum se deparar com a fala “nossa, como você consegue gostar de trabalhar com gente louca?” ou coisas nesse sentido, talvez resquícios de um passado de ajustamento do “louco” à realidade, bem como as histéricas de Freud, que até não-psicólogos sabem dizer quem foram. Por último, a máxima de que “o psicólogo é um profissional neutro perante seus clientes”. Parto do pressuposto que uma neutralidade relativa é sim necessária, mas explico: relativa, pois ao estarmos perante alguém, seja na situação clínica ou no cotidiano, depositamos na pessoa projeções de conteúdos nossos, ou seja, essa neutralidade pouco existe, pois cada fala do paciente traz conteúdos do terapeuta à tona.


Jung aponta para a importância de, o máximo possível e necessário, distanciarmo-nos da técnica psicológica, mas termos o cuidado de, ao “tocar uma alma humana, ser apenas uma alma humana”, com vistas que haja afeto circulando no momento terapêutico.


Atualmente, as necessidades clínicas são tamanhas, a vivência do desamparo é enorme e provocar um distanciamento em detrimento de uma técnica seria, mais do que qualquer outra coisa, aumentar o sofrimento daquele que nos busca “sem rumo”. O psicólogo de hoje deve, sem sombra de dúvidas, se pautar numa técnica psicológica, seja ela qual for, mas deve também lançar mão de outros recursos para poder se aproximar e “afetar” (movimentar afetos) no paciente.


O velho divã, não necessariamente deve se aposentar, mas principalmente estar aberto a atualizações e novos olhares a respeito do sofrimento que nele se deita. O psicólogo passa a ser solicitado em outros ambientes: frente uma audiência em programas de saúde, projetos sociais, em centros assistenciais, técnicas de grupo, no ambiente das organizações, escolas e instituições sem fins lucrativos.


As necessidades psíquicas dos que nos procuram atualmente estão muito distintas do que ocorriam tempos atrás: antes, os consultórios eram repletos de “madames”, mas hoje a população marginalizada bate à nossa porta com força total. É momento de, mesmo que seja criticado por alguns, deixar o diploma de lado, olhar no espelho e lembrar-se: sou psicólogo, mas antes disso, sou também humano.


Não apenas a Psicologia, mas todas as profissões precisam abrir os olhos para isso. Ser humano é se importar, é se reconhecer no outro e perceber-se no outro. Caso contrário, deixo a vocês meu questionamento pessoal: será que estamos em nossa perfeita sanidade mental?



(artigo publicado na Revista Check Up - Número 201)

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