Adultos de colo

Poderia dizer que acontece muito no consultório, mas não é apenas neste ambiente, e sim em todo lugar: em rodas de amigos, festas de família, nas conversas do cafezinho, no meio do expediente. Todas essas situações parecem que, cada dia mais, comportam frases como “fiz isso por causa de fulano”, “deixei de agir assim para não desapontar beltrano”, “eu sofro pelo que cicrano faz comigo”.


É claro que, no trato social, muitas vezes temos que ceder nossas vontades, desejos, gostos, para garantir que não haja qualquer “desconforto”. Mas daí a responsabilizar sempre o outro pelas nossas atitudes, nossas ações, decisões e pelo que deixamos fazerem conosco, temos uma grande diferença. Tal como uma criança, que diz “estou usando esta roupa, pois minha mãe escolheu”, em alguns momentos nós queremos, a todo custo, acreditar que a responsabilidade, o poder de escolha ou qualquer outra coisa neste sentido, não é nosso.


Jung, em sua Psicologia Analítica, nos aponta para o fato de que somos muitos em nós. Os Complexos também, em alguns momentos, nos influenciam ou até mesmo agem em nós, fazendo com que “outro” aja em nosso lugar. Ainda assim, segundo sua teoria, nesses casos a responsabilidade ainda é nossa. Talvez não seja do Ego, complexo central de nossa consciência, mas sim de alguma parte de nossa totalidade psíquica, ou seja, alguém em nós.


Uma das principais necessidades do desenvolvimento da criança à vida adulta é garantir uma certa “plasticidade egóica” no sentido que o Ego possa ser estruturante, flexível e o sujeito compreender que, por mais que em alguns momentos haja alguma “intrusão” de um complexo ou até mesmo uma ação por conta de um motivador externo, é sempre o agente o responsável pela ação.


Enquanto a estrutura psíquica ainda não atinge esta “plasticidade”, e o indivíduo seja “dono de si” (ao menos conscientemente), qualquer possibilidade de se responsabilizar pode ser visto de forma devastadora. Como nos conceitos da psicanálise kleiniana, onde o ato destrutivo do bebê em relação ao seio materno (para se alimentar) é sofrido com muita dor pelo pequenino, com o medo da retaliação, o “adulto de colo”, que cito no título deste artigo, pouco se responsabiliza pelas suas ações, de modo que a retaliação (fantasiosa ou real) ocorra não consigo, mas com qualquer outro que tenha sido (em sua fantasia) o responsável.


A verdade é uma: A responsabilidade pelo que fazemos recai sempre sobre nós, quer queiramos, quer não. Mas a forma como lidamos com nós mesmos, com os demais em nós e com nosso meio podem ser cruciais para determinar o efeito de nossos atos. Essa tomada e ampliação de consciência pode acontecer numa sessão de terapia, num momento de meditação, numa conversa entre amigos, num sonho, ou em qualquer outro espaço onde sua psique achar prudente.

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