Há um ato político na análise?

Diante do cenário político, ouvi de muitas pessoas que o psicólogo não deveria se engajar em fazer política. Mas creio não podermos desvencilhar assuntos políticos do fazer psi tão facilmente.

Depois de um tempo (tentar) digerir e entender o momento político do Brasil, acho que apesar de ainda estarmos longe de uma resposta assertiva, vale refletirmos quanto ao que tem ocorrido e qual o papel do pensamento analítico no fazer política. Não farei menção a qualquer partido, muito menos enaltecerei qualquer viés político que seja, mas sim pelo viés da Psicologia Analítica e na tentativa de compreender como este pensamento pode contribuir para a compreensão simbólica deste cenário político.

Pois bem, Jung já apontou em seus textos que a psicologia das coletividades tem os mesmos princípios e dinâmica da psicologia individual e vice-versa, ou seja, estamos inseridos e formamos um grande sistema onde vivenciamos nas esferas micro (individual) e macro (coletiva) os mesmos processos, dentre os quais pode-se considerar a estruturação psíquica em complexos, que se opõem entre si e o fluxo da energia psíquica, que "alimenta" e impulsiona estes mesmos complexos.

Pensando desta forma, cabe mencionar um recorte sobre o aspecto individual de adoecimento psíquico. Jung aponta que sempre que houver unilateralidade e os conteúdos de nossos atos, pensamentos e falas forem monotemáticos, aí haverá sofrimento psíquico, com a produção de sintomas com o intuito de compensar e regular a dinâmica psíquica. Nessas situações, tudo o que aparece como diferente, novo, desconhecido, é reconhecido como algo indesejável e temido, assim como o sintoma, e evitado com grandes resistências no afrouxamento de tamanha rigidez. Há então os polos bom e o mau, cindidos entre si, mas que em sua natureza são também fusionados entre si.

Agora pensemos na política. Temos de um lado o governo que findará seu mandato em Dezembro, representado em sua eleição por um partido amado por uns, odiado por outros e irrelevante para mais outros, com conquistas e também dificuldades no longo tempo de governo. De outro lado, um discurso de mudanças radicais do que já está sendo feito, de "alternância de poder" e de "não ser o mesmo que já há tanto tempo governa" assumirá o poder do país em Janeiro próximo. Exceto exceções, parece-me que até o momento das eleições por um lado havia um grupo que queria mudança a qualquer custo, assimilando todos os aspectos negativos num único polo e indo na direção oposta a ele.

Assim como no caso do paciente que busca como saber lidar com seu sofrimento e seu sintoma sem deixar de ser quem se é, sem se implicar em conhecer o que esse sintoma tem vindo lhe trazer e em que ponto pode contribuir para seu desenvolvimento, o cenário político nos aponta para o fato de que a maior parte das pessoas não se implica na totalidade da situação. Explico: assim como no caso do paciente que busca um processo terapêutico ou no eleitor que busca uma melhora no cenário político, em ambos os casos há que se integrar aspectos negativos e positivos em sua totalidade.

É grave e preocupante esta polarização, pois tanto na intimidade de cada um quanto no grande cenário social, qualquer unilateralidade gerará sintoma até que seja possível um diálogo entre os opostos e uma análise do que transcende ambos os polos e, por meio da alteridade, reconhece a si mesmo e as diferenças.

Nesse sentido, fazer análise é também fazer política. É dar condições ao sujeito em sofrimentos, dores, preocupações de estabelecer diálogos entre suas falas internas de modo que se há condições para que, internamente, se lide com as diferenças e se construa como parte de um todo com necessidades, também se propicie estas condições na compreensão do todo político.

Estar em análise permite sustentar o questionamento e dar lugar a dúvida, ao diferente, à coletividade interna. Este também é o princípio de qualquer democracia que, na relação com os outros, pode se construir a partir e além das diferenças.

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