O estigma que adoece

Chega Dezembro e, além das festividades, chega também o mês de luta e conscientização sobre o HIV, sendo o dia 1º de Dezembro o "Dia D" das ações de prevenção e conscientização.

A epidemia que teve seu início em 1980, com os primeiros casos (notificados e registrados) entre grupos bem definidos (homossexuais, hemofílicos, haitianos e usuários de drogas injetáveis) e que nos dias de hoje atinge a toda a população indiscriminadamente, não se desenrolou até os dias de hoje sem trazer consigo todo o histórico de sofrimento, exclusão, culpabilização e medo que foram característicos do início da epidemia. É sabido que muito avançamos desde o primeiro caso registrado, até hoje, quanto a conhecimentos sobre a infecção, meios de prevenção e de tratamento.

Neste ano tive a oportunidade de, por meio de um estágio da especialização, estar em contato com pessoas que vivem com o HIV, pessoas que se preocupam em terem tido o contato com o vírus e pessoas que sequer imaginavam terem se exposto a ele.

Mas será que nosso diálogo avançou junto? Começo com o questionamento se há algum diálogo, ou será que nos contentamos com a mentalidade e a compreensão do HIV e da AIDS de 1990? E isso é o suficiente para silenciar. Silenciar sobre HIV, Aids, gênero, sexo, sexualidade e poder. Silenciar pessoas vivendo com HIV. Silenciar pessoas que não vivem com HIV (não vivem em seus corpos, pois o vírus segue circulando pela sociedade, queiramos ou não).

Passar a viver com o HIV atualmente não traz apenas um vírus para dentro do corpo, que será controlado com medicamentos (assim como é uma diabetes, controlada por injeções de insulina e baixa ingesta de açúcares), mas traz também tudo o que não foi dito, ressignificado, recompreendido e que passa a ganhar espaço para viver, se reproduzir, crescer, assim como ocorre também com o ciclo de vida do vírus.

Coincidentemente (ou não), é também no estigma, no preconceito e na discriminação, que o HIV se encontra com as populações que atualmente tem maior vulnerabilidade à infecção pelo vírus: homens que fazem sexo com homens, mulheres, pessoas transgênero, trabalhadores(as) do sexo. São também estas populações, uma mais outra menos, as que não tem voz, não são ditas, não são ouvidas. Curioso, não?

Não, curioso não. Mas sim perigoso. O mesmo estigma do adoecimento, que renasce quando se ouve ou se lê "Amostra Reagente para HIV" de forma instantânea como medo, preocupações, culpa, tristeza, sensação de vazio, é resultado direto de algo que, escondido a sete chaves no inconsciente, dá mostra de sua existência. Faz-se presente e quer voz, quer espaço.

No caso das populações vulneráveis, é também o lugar dos que sofreram a morte em vida, o não lugar para existência, que faz com que estejam em maior risco de contato com o HIV e outras ISTs.

Penso que para além de descobrir a cura da Aids (cura que sim, é necessária), há que se encontrar a cura para a falta de informação, a cura para o olhar que julga. Compreender que quando falamos de risco para ter contato com o HIV, este existe na troca de fluidos com uma pessoa que viva com o HIV e não esteja em tratamento, o que a bem da verdade, estamos todos sujeitos. O estigma e a falta de informação é prejudicial a todos.

Permitam-se conhecer. Conhecer sobre o HIV. Conhecer a pessoa além da infecção. Conhecer além do que Hollywood mostra. Conhecer sobre seu estado sorológico. Uma coisa eu garanto: você provavelmente nunca saberia se eu não te dissesse, mas as pessoas com HIV existem, se cuidam mais do que eu e você e, principalmente, estão mais perto do que você imagina e você com certeza já se permitiu conhecer algumas delas.

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