Em tempos de pandemia


Nossa, quanto tempo sem aparecer por aqui. Engraçado me ver frente ao notebook pensando que deveria ter escrito antes e com maior frequência, mesmo após ter ouvido tanta gente dizendo sobre a dificuldade de ser produtivo nestes tempos de coronavírus.





Pois é, nem mesmo a gente, psi, se vê livre de algumas questões. E tá tudo bem, não?





Fiquei me questionando sobre a necessidade de escrever, de reaparecer, depois de tanto tempo e, sobre o que falaria. Julgo ser prudente falarmos sobre o tempo. Quando quis escrever, o tema "coronavírus", "pandemia", "COVID-19" apareceu como uma sugestão a ser repetido. Mas será que não perdemos o timing deste tema, após sete meses de pandemia? Será que não seria perder tempo, depois de tanto ter ficado em silêncio, retomar falando sobre isso, que estão todos cansados de ouvir (Eu, inclusive, sugeri a alguns pacientes que não ficassem o tempo todo pensando apenas na pandemia)? De fato, a pandemia tem nos tomado tempo.





Será que escrever um texto como este não é perda de tempo? Será que existe ganho de tempo? Será um tempo bem utilizado? O que seria um tempo bem utilizado? Será que há "precisão" (como dizem no interior) de que o tempo seja bem usado? Não sei.





Não sei se a pandemia, mas nós, precisamos de tempo. Um vírus apareceu, nos tirou de nossas rotinas, invadiu nossos pensamentos e nossos costumes, nos distanciou das pessoas que tínhamos tão por perto. Com isso, tudo o que tínhamos até então ficou em suspenso. O tempo, que para muitos era bem ralo, escasso, poderia ser preenchido sem o tempo até o trabalho, sem a ida à escola, sem a balada do final de semana.





Algumas pessoas preencheram: cursos, panificação, lives, livros, Netflix, festas via Zoom, e o trabalho, que até então não poderiam ser feitos remotamente, está sendo feito remotamente. Passados 7 meses, muitos (dos que começaram, após fazer a matrícula) não terminaram aquela pós, têm fermento biológico estocado a vencer, uma estante com mais livros ainda apinhados, e quase nenhum tempo para assistir 1/5 do catálogo de streaming das várias plataformas assinadas.





Bom, voltemos ao tempo e, talvez, à nossa dificuldade (ou incapacidade) de lidar com um tempo que não o cronológico, que assim como Cronos, titã grego que lhe deu o nome, devora, finda, castra. Tudo o que não for feito, agora que se tem tanto tempo à disposição, é encarado como uma perda enorme.





"Eu deveria estar fazendo outras coisas, nessa quarentena", "João, eu não troco o pijama até a hora de tomar banho para dormir, e tem dias que troco por outro pijama", "Não estou aproveitando para quando tudo isso acabar eu voltar para o mercado de trabalho".





Bom, se Cronos é o tempo que devora com a unilateralidade da consciência e se apresenta com esta pandemia na impossibilidade de preenchermos o tempo com as atividades que tínhamos anteriormente, Kairós é o tempo da oportunidade, da vivência, o tempo do inconsciente.





Passado pela Grécia, de forma breve, gostaria de nos direcionar para outro território: o continente africano. Ali (pertinho, cruzando o Atlântico), a doença tem nome, tem imagem, dança e é cultuada. Obaluayê (o jovem) ou Omolu (o velho), orixá coberto de palhas para esconder as chagas de seu corpo, mas que se transformam em pérolas, após os devidos cuidados é saudado com "Silêncio" (Atotô). Na chegada da doença, vigora o silêncio, sinal e atitude de respeito frente a algo tão grandioso.





Da mesma forma, lockdown, isolamento, máscaras, distanciamento, fechamento de comércio são nossas formas de nos cobrirmos em nossas palhas. Nos cuidarmos. Não apenas do coronavirus. É nesse momento que, mesmo longe de nossas pessoas queridas, podemos nos aproximar de nós mesmos (ainda que em alguns momentos fiquemos fartos de ter unicamente a nossa companhia).





É no silêncio, no respeito a esta pandemia que é tão maior que nós e nos nossos limites e bem-estar emocionais, psicológicos e físicos, que sairemos desta. Não se cobre tanto. Seja gentil.


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