Para que diagnosticar?


Não é incomum, seja no consultório ou até mesmo entre amigos, que em algum momento me perguntem: “Mas me conta, vai, o que eu tenho?”





Que pergunta absurda, não?! Destinar a um terceiro a possibilidade de dizer sobre si mesmo. Talvez meu espanto não seja nem esse, mas sim o dizer sobre o outro que o silencie, que não permita que a pessoa possa tecer significados e sentidos a seu próprio respeito. 





Como eu gosto sempre de lembrar, eu posso até ser o especialista da saúde mental, mas especialista em Fulano ou Beltrano, só Fulano e Beltrano, respectivamente. Prefiro menos dizer sobre o outro, e mais dizer com o outro, desta forma. Gosto de ouvir, de acompanhar a tessitura de sentidos que forma e presentifica a pessoa que está comigo, e (tentar) proporcionar que ela também se aperceba disso. 





E tudo isso tem grandes chances de se perder, quando você pega uma folha de papel e escreve um CID qualquer, assina e carimba ou revela “você tem ansiedade”, “é TOC”, “isso é um quadro depressivo”. A partir desse momento, grandes são as chances de a pessoa ter a resposta para absolutamente qualquer situação desconfortável: isso está acontecendo por conta do transtorno, não há como ser diferente. 





Isso acontece não apenas com relação a saúde mental, como também em outras questões de saúde no geral. Eu e o Fernando Impagliazzo falamos um pouco sobre isso na nossa live no instagram, especificamente em relação às pessoas vivendo com HIV e aids, que pegam para si o seu estado sorológico e têm suas individualidades e subjetividades indetectáveis (e não apenas a carga viral indetectável, que é de se esperar, do tratamento).





Isso também vai para além do contexto de saúde, mas para situações mais cotidianas, inclusive no que possibilita que, entre uma cerveja e outra, meus amigos me perguntem “mas então, eu tenho traços de uma personalidade… ?”: sou psicólogo. Assim como um diagnóstico, que pode deixar de lado toda a nossa subjetividade, também nossas profissões, nossos papéis na família, na roda de amigos, na nossa comunidade, podem nos reduzir e dizer quase nada sobre nós. 





Jung, em sua obra, nomeia de personas estas características que têm seu modo de funcionamento, são adaptativas e nos proporcionam algum lugar no mundo. São as máscaras sub cujos vieses somos vistos pelo outro. 





É também este o papel de um diagnóstico, de certa forma enviesar o fazer em saúde para que os profissionais se inclinem (ou cliniquem) no cuidado desta pessoa, e em alguns casos, poder nomear uma grande angústia a partir de uma classificação também pode ser benéfico. Mas até aí, nomear, pode ser “a depressão” e “a ansiedade”, ou “Judite, uma mulher que se traja de preto e não tem nenhuma energia vital, que ao se aproximar de mim, leva também a minha energia” e “Félix, um jovem que não para quieto e que a cada vez que se senta ao meu lado, está com uma roupa diferente por conta de como imagina que as pessoas vão olhar para ele, seus julgamentos e nos deixa sem ar, mediante tanta fala atropelada”, por exemplo. 





Precisamos de nomes que façam sentido, ecoem e ressoem em nós e nos permitam contar as histórias destes nomes em nós. E não nomes que encontramos nas classificações psiquiátricas e que dizem respeito somente a um amontoado de sintomas. 


Comentários

Postagens mais visitadas