Vamos falar sobre vulnerabilidades para o HIV?


Se tem algo que eu não gosto muito é escrever de forma que pareça que estou querendo "dar aula" ou abusar dos conceitos teóricos. Apesar de parecer que eu farei isso, pelo título, espero que eu os desaponte.





Há algum tempo trabalhando como psicólogo com foco em saúde e prevenção sexual, em específico sobre o HIV, eu acompanho os avanços da ciência: medicações, PEP, PrEP, o I=I, as pessoas que foram curadas, os avanços no desenvolvimento de novas formas de se prevenir, como por exemplo a PrEP injetável (uma injeção a cada dois meses que te protege da infecção pelo HIV) e até mesmo uma vacina como a do Estudo MOSAICO (que está recrutando voluntários em São Paulo, clique e saiba mais). Tudo isso com vistas a munir o sistema de saúde, os consultórios médicos e, porque não, a pessoa que vive ou convive com HIV, destas tecnologias.





A gente até chega a dizer por aí, que o HIV, por não ser a mesma coisa que Aids, hoje em dia é algo tão simples, que parece que esquecemos que a Aids ainda existe para algumas pessoas. Em algumas palestras eu me pego dizendo "hoje em dia, viver com HIV não é a mesma coisa que era há 30 anos", mas isso dá uma impressão de que é tudo muito simples.





Esta semana eu me dei conta (mais uma vez) da importância de furar a minha bolha. Primeiro uma amiga querida, viu um post que compartilhei que falava sobre PrEP e veio me perguntar o que era. Algo que eu já conheço, tão de perto, do meu dia a dia no trabalho, que nem imaginava que alguém poderia ainda desconhecer. Expliquei, expliquei também que quem tem a carga viral indetectável por mais de 6 meses seguidos não transmite o vírus, e que mulheres que vivem com HIV, se quiserem engravidar, já não transmitem mais o vírus para o bebê (mantendo o tratamento e sem amamentar o bebê, após o nascimento). Nada disso ela sabia.





Essa semana, também tive dois diálogos interessantes: o primeiro, com um rapaz gay que me disse que sempre que se expõe, vai ao serviço de saúde nos dias seguintes e se testa, mas não informa ao profissional que teve a exposição e por isso nunca tomou PEP (medicação que iniciada em até 72h da exposição, e tomada por 28 dias seguidos, protege da infecção pelo HIV). Ele também me disse que ficava muito preocupado com a exposição e que isso gerava uma tensão na hora de ver o resultado do teste. Expliquei para um moço de 30 anos, que faz testagens com certa frequência, que o resultado só é confiável após 30 dias da relação sexual, e que ele poderia ter usado a prevenção medicamentosa.





O segundo, acho que foi o que mais me tocou, com outro menino, gay, da mesma faixa etária, se dizia como vulnerável para infecção pelo HIV única e exclusivamente por ser gay. "Pois é, né, eu que sou gay, tenho que me prevenir", ele disse. Quando questiono sobre qual medida de prevenção ele usa: camisinha e diálogo com os parceiros, mas que isso só passou a acontecer, depois de uma situação em que se expôs e teve um diagnóstico de uma IST. Apesar de ter uma rotina de testagens regular, ele nega ter ouvido falar sobre PEP, PrEP, indetectável = intransmissível, a importância do lubrificante... Tudo que a gente chama, hoje, de prevenção combinada, ele não conhecia. E ainda por cima se considerava quase que "destinado" a contrair HIV por se relacionar com outros homens.





Tudo isso para dizer que, dentro da minha, da sua, da nossa bolha, a gente sabe. A gente pode conhecer. Mas lá fora, muita gente ainda não conhece sobre tudo isso. Muita gente ainda tem que lutar com o desconhecimento e vai dizer, como já me disseram "sabe, João, foi ali que eu entendi que eu era mesmo gay, quando a enfermeira me entregou o papel escrito 'Reagente para HIV-1', foi ali que eu relaxei, respirei e pensei 'sou gay".





E isso tudo fala da vulnerabilidade individual da pessoa. Conhecer sobre o que é possível fazer para se prevenir, o que cabe no seu repertório de práticas sexuais, como você escolhe suas parcerias e como você escolhe transar. Tudo isso passa o bastão da mão do profissional de saúde que dizia "Use camisinha", para a mão do próprio sujeito que escolhe livremente, e não pelo fato de que tem que burlar o seu fado de contrair HIV ou pelo fato de que "todos os gays estão tomando PrEP e eu também vou tomar".





Isso tudo é empoderamento de sujeitos que, cuidando da forma como se relacionam, também são parte da linha de frente contra a sorofobia, o preconceito e o desconhecimento.


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