Um incômodo sombrio

Atualmente, muitas pessoas chegam ao terapeuta, ao sacerdote, aos amigos, a quem quer que seja com o grande incômodo: Fulano, Beltrano ou Cicrano tem determinadas condutas, determinados pensamentos, determinadas ações que me irritam, que com toda a certeza ele(a) só faz para me provocar.


E apesar de, de fato, algumas pessoas fazerem coisas para nos irritar, afinal não devemos “psicologizar” tudo e todos, em muitas vezes a fala de Freud cabe e é primordial: “O homem é dono do que cala e escravo do que fala. Quando Pedro me fala sobre Paulo, sei mais de Pedro que de Paulo”.


Aqui cabe falar sobre o arquétipo de Sombra, primordial no desenvolvimento da personalidade: apesar de muitas pessoas entenderem como algo pejorativo, a Sombra nada mais é que construída pelo conjunto de experiências que o indivíduo passa na vida, constituindo sua personalidade, sendo “depositados” nela todos os conteúdos que, por ventura precisam ou a pessoa entende que devem ser negados ou reprimidos. Assim como todo arquétipo, a ela não cabe juízo de valor, de bom ou ruim, positivo ou negativo, é apenas o oposto do que temos constelado como nossas personas, nossos papeis, como os quais nos mostramos ao mundo.


Mas aí, retornando aos casos em que as pessoas se incomodam com as condutas do outro, Jung também vai dizer que os conteúdos sombrios que não pudermos ou não quisermos lidar em nossa intimidade, invariavelmente serão projetados e então lidaremos com eles externamente, de modo que acabamos enxergando no outro nossas sombras, inaceitáveis, inadmissíveis.


A psicoterapia, ao iluminar certos conteúdos inconscientes, nos faz ter mais fácil acesso à sombra, que nada mais é que parte de nós que, por um motivo qualquer, deixamos para trás. Quando algo nos incomoda deveras no outro, é este um convite para caminharmos em nosso íntimo em direção a nos religar a quem realmente somos.

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