Na busca da (im)perfeição

Vivemos num contexto em que sempre o "sumo bem", o iluminado, o certo e o bom têm lugar. Em todos os ambientes, as pessoas buscam dar sempre o seu melhor, deixar as falhas de lado e, sempre que possível, também cobrar do outro o melhor (com base nas próprias referências ou, muitas vezes, com as referências que lhes foram vendidas e, consecutivamente, compradas como próprias).
O processo civilizatório, e a psicanálise fala muito bem dele, apara certas arestas quanto a realização dos prazeres individuais. Na psicologia junguiana, falamos da construção de personas (já mencionadas em posts anteriores), que são regidas por estas normas desejadas sócio-culturalmente. Mas e para onde vão todos os impulsos, instintos, desejos e vontades que não encontram lugar para se realizarem? Em grande parte dos casos, vão ganhando cada vez mais energia nas profundezas do inconsciente.
Jung tem uma célebre frase que diz que "o que você nega o submete e o que você aceita o transforma". É justamente isto que acaba acontecendo a muitos de nós que, numa atitude unilateral, sempre procurando dar o melhor de nós, nos afundando em treinamentos, cursos, técnicas mirabolantes de "seja o melhor profissional", "tenha um discurso impecável", "desperte o melhor de si", vamos negando estes conteúdos "indesejáveis", mas que também são parte de nós.
O movimento para que ele possa se manifestar e agir no mundo, por sua vez, é quase que num transe, agir por meio de nós, nos momentos em que fazemos coisas que nos perguntamos depois "o que deu em mim que agi deste jeito", ou então, por meio do inconsciente coletivo, organizando o mundo ao redor para que as situações conspirem a seu favor, de modo que ele possa cada vez mais agir sobre nossos caminhos.
Jung também nos fala da importância de que "toda árvore que queira tocar os céus, deve ter raízes tão profundas a ponto de tocar os infernos". Suponho, assim, que o esforço de cada vez mais se livrar de tudo o que temos de pior, no intuito de sermos pessoas boas, iluminadas, perfeitas, vai cada vez mais fortalecendo e nos submetendo aos desígnios de tudo o que julgamos ter de pior, errado, indesejável.
Creio que a jornada para um desenvolvimento saudável não é a entrega a estes conteúdos sombrios, mas sim compreendê-los como parte de si, como aspectos necessários, inclusive para que haja também o que é "desejável", pois quanto mais conhecemos a amplitude de nossa escuridão, mais também podemos imaginar o quanto temos de amplitude em luzes.

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